A fundação
do Clube Filatélico de Portugal

(transcrição de artigo do sócio fundador José R. Dias Ferreira no Boletim n.º 364, pp. 6-11)

 Em 1937, sozinho no campo do associativismo filatélico, o Clube Internacional de Trocas (CIT), sediado em Lisboa, começou a debater-se com falta de sócios o que provocou um lancinante apelo ao Eng.º António Furtado no editorial de “O Coleccionador”, intitulado “Entre nous”. Nele o articulista lamentava que “o recrutamento de novos sócios que constitui para todos um problema de solução mais difícil, representa para nós uma acuidade que faria desesperar outro menos corajoso ou experimentado do que nós.”

 A essa chamada não devem ter correspondido os coleccionadores, e todos os sonhos se desmoronaram porque em Fevereiro de 1938, o CIT publicou o último número do seu órgão oficial. Seguiu-se um vazio a que certamente não estranha a guerra fratricida que decorria em Espanha.

Tentativas infrutíferas

Entusiasta pela propaganda e tudo quanto fosse filatélico, como não existia qualquer associação filatélica, idealizámos a 1 de Março de 1939, a criação de um clube a que demos o nome pomposo de Estúdio Filatélico Mundial, com sede provisória na Rua de Moçambique, 25 r/c, em Lisboa. Todavia, não passou da fase de organização apesar de ter chegado a contar com 35 inscritos.

Infelizmente, decorridos tantos anos, só é possível computar dois sobreviventes daquele grupo: o autor e Amadeu Regalo, distinto comerciante filatélico estabelecido em Braga. Recorde-se que através deste coleccionador, o correspondente local do jornal “República” ficou de tal maneira entusiasmado com a ideia que “achou por bem dar a sensacional notícia”.

Desanimados, no fim de 1939 em que prevíamos para o clube uma receita de apenas 400$00 (!), desistimos de prosseguir com a iniciativa, não deixando de fazer transparecer a nossa mágoa na medida em que, entre outras coisas, era nosso projecto efectuar propaganda a fim de desenvolver as vendas dos comerciantes filatélicos “que mereciam esse nome tais como Simões Ferreira, Myre, Eládio de Santos, etc.”.

Um caso paradigmático foi o de Simões Ferreira que tinha a sua loja na Rua do Arsenal, a qual era, por assim dizer, uma espécie de catedral da filatelia portuguesa. Como efeito, na sua revista “Portugal Filatélico” muitas vezes fez ver a necessidade de existir um Clube Filatélico. Porém, quando em várias ocasiões foi contactado no sentido de apoiar não só este clube como, posteriormente, a fundação do Clube Filatélico de Portugal, sempre se recusou a participar. Foi um desagradável caso esporádico.

Entretanto, devemos prestar homenagem ao Mercado Filatélico do Norte (MFNP) que em 1941, procurando superar a crise, publicou, a partir do número três da sua revista “Mercado Filatélico”, uma secção de trocas, e no ano seguinte fundou o Bureau d’Échanges Philatéliques (BEP) que era uma organização particular integrada no MFNP, com sede no Porto, na loja sita na Rua de Santo António.

Todavia, dado o seu carácter restrito, essa organização não satisfazia os desejos dos coleccionadores em geral, e em especial os do sul do país, pelo que a luta para a criação de uma entidade autónoma teve de continuar.

Os primeiros passos

Assim, e porque a ideia de contribuirmos para a fundação de uma colectividade filatélica não esmoreceu, como colaborador que fomos da Revista “O Selo”, resolvemos, de acordo com o seu editor A. Molder, escrever um texto intitulado “Uma carta. Porque não criamos um clube filatélico”, a qual foi publicada como escrita por “Um Sócio do CIT”.(4)

A matéria dessa carta despoletou a formação de uma Comissão Organizadora que viria a fundar o Clube Filatélico de Portugal. Muito embora pouco convincentes nos resultados futuros, foram elaborados os Estatutos, e no dia 23 de Dezembro de 1942, reunidos em casa de João Tavares que pôs a sua morada na Rua dos Mouros, 32-3.º, à disposição para ser a sede provisória do clube, foi elaborada uma “Acta”, em que “os abaixo assinados deliberam fundar uma associação cultural com a denominação de “Clube Filatélico de Portugal”, com sede em Lisboa, que será regida pelos Estatutos anexos a esta Acta, depois de aprovados pelas competentes autoridades civis desta cidade.”

Estiveram presentes ou subscreveram esse histórico documento, os coleccionadores João Tavares, António Santos Almeida, António Borges de Brito, Pinto Júnior, Dias Ferreira, Manuel de Sousa Freitas, Manuel Thomas Rodrigues Troya, José da Silva Quaresma, David Lopes dos Santos, Domingos do Sacramento, A. Cruz Bernardo, Manuel Martins de Oliveira, António Marques e Eduardo Dores.

Em 29 de Dezembro de 1942 foi solicitado ao Governo Civil a aprovação dos Estatutos. A partir daí começaram as grandes batalhas não só para angariação de sócios, como também para efectuarmos a legalização do clube. Sob este aspecto, dado que estávamos em plena Segunda Guerra Mundial e, sobretudo, por haver muita dificuldade na aprovação dos estatutos por parte do Governo, tendo em vista as características internacionais de uma associação dessa natureza a almejada decisão marcou passo, não havendo outra coisa a fazer senão esperar.

Café Chave d'Ouro

Datas e acontecimentos

Para maior compreensão do que então se passou, elaborámos uma descrição cronológica de alguns detalhes que antecederam a fundação do clube.

A 7 de Abril de 1943, desanimado, João Tavares escreveu-nos pedindo para nos reunirmos “para tratarmos da organização do Clube Filatélico” e “agradecendo que se faça acompanhar de todos os impressos e revistas que possua sobre o assunto”. A partir desta data as reuniões passaram a ser efectuadas no primeiro andar do Café Chave de Ouro ou no Café Gelo, ambos no Rossio. Ilegais porque não possuímos alvará, o clube não podia, portanto viver, mais não nos restando que continuarmos pressurosamente a insistir par que o mesmo nos fosse concedido.

A 10 de Abril de 1943, resolvemos contactar, por carta, um grupo de 54 coleccionadores que conhecíamos, exortando-os a inscreverem-se no Clube. A 13 de Abril de 1943, constatamos que se tornava necessário realizar a “Primeira Sessão Preparatória dos Trabalhos da Comissão Organizadora do CFP”, com o fim de nos conhecermos pessoalmente, preenchimento de cargos e verificarmos o estado da legalização do clube.

A 16 de Abril de 1943, João Tavares comunicou ter contactado Vasco Ribeiro do Ateneu Comercial de Lisboa para solicitar a cedência de uma sala para uma reunião, a qual foi negada por “termos muita actividade e pouco espaço”. Entretanto convocamos uma reunião para tratar de diversos assuntos, à qual faltaram quase todos os convocados. Entre os poucos presentes foram ventiladas várias questões e propugnado que se viesse a realizar feiras.

Em 28 de Abril de 1943, João Tavares escrevia: “A ideia da feira é boa, mas como não conseguimos uma sala para a pôr em prática, não é possível realizar não só a feira como as reuniões e leilões”. Marcamos uma reunião para 30 desse mês apesar de nessa noite se realizar uma noite filatélica no Centro Filatélico Íris, no Rossio.

Os sonhos e a determinação dos fundadores eram muito grandes e em reuniões sucessivas estudávamos os mais variados assuntos que poderiam vir a interessar aos associados, tais como: secções de informação e propaganda, biblioteca, leilões, feiras, noites filatélicas, empréstimo de catálogos, representações, ficheiros, anuário e uma revista. Em relação a esta última podemos ler numa carta datada de 30 de Abril: “Revista: actualmente com a falta de papel (devido à guerra) chego à conclusão de que nada podemos fazer”. Nesse mesmo ano e pela mesma causa, o catálogo Yvert edição de 1943, teve uma tiragem muito pequena sendo hoje considerada uma raridade bibliográfica. Por seu turno, o Boletim do Clube Filatélico de Portugal só foi possível publicá-lo três anos mais tarde.

  • A 8 de Novembro de 1943, foi finalmente publicado o Alvará nº 117 do Governo Civil de Lisboa, o qual tem a data de 27 de Outubro de 1943. É esta a data que, naturalmente, logo consideramos como o dia da fundação do Clube.

  • O pintor Pedro Guedes, nascido em Macau em 1874, foi casapiano, foi o guarda-redes (ou seja, o n.º 1) no primeiro jogo oficial do Sport Lisboa e Benfica, frequentou a Escola de Belas-Artes de Lisboa, e chegou a diretor da Sociedade Nacional de Belas-Artes (SNBA).

    Além de autor do logótipo do Clube Filatélico de Portugal, também desenhou o emblema da SNBA – ambos ainda em vigor ao fim de quase cem anos.

    Fez pintura em diversas técnicas, foi ilustrador, autor de cartazes publicitários, e desenhador de várias séries de selos: em 1915, Imposto Postal e Telegráfico – Para os Pobres; em 1931, a conhecidíssima série «Lusíadas»; em 1940, a série de comemoração do 1.º Centenário do Selo Postal – Sir Rowland Hill.

    Depois de desenhar o logótipo do Clube, ainda assinaria mais duas séries de selos em 1949 e 1951: Fundação da Dinastia de Avis, e 1.º Centenário do Nascimento de Guerra Junqueiro.

  • Em janeiro de 1946, pouco mais de dois anos depois da fundação.

    Pode lê-lo na íntegra aqui.